sábado, 28 de setembro de 2013

Cenário real

Dizer a uma amiga que não quero ter velório ou funeral público não é mais do que uma agressão (que cometi recentemente). Se ela também tiver passado pelo cancro, soa-lhe a tema não desejado e a que devemos pôr fim rapidamente. Se é alguém que não tem ou teve cancro, e não gosta de pensar nisso e com razão, um "que horror" basta, seguido, ou não, de "não penses nessas coisas" ou "tens de te manter positiva".

Que fique claro: eu sou muito positiva! Posso não mostra-lo com grandes frases ou afirmações luminosas, nunca fui dada a aforismos mas não me restam dúvidas de que quem faz a sua vida como eu faço a minha, eliminando contingências quase diárias e ainda dormir um sono tranquilo (sem a ajuda de químicos, que o meu fígado não os grama), alguma força positiva deve ter dentro de si.

Agora, não me peçam para fingir que não se passa nada. Não me digam que não devo pensar na morte, naquilo que posso deixar a quem vai sentir a minha falta; que não me devo preocupar com o sofrimento que possa vir a sentir ou a causar a outros... Isso não é ser negativa, é, tão-só, ser realista. Tenho cancro metastizado há cinco anos, estou a fazer quimioterapia (pela terceira vez) há quase seis meses e sem prazo para terminar...

Não passo o dia a pensar no assunto, nem por sombras, que o trabalho, a família e os amigos não deixam espaço para isso mas que há pensamentos que devem ter lugar neste cenário, esse é certamente um deles... Gostava de ter autorização...

T.




MBC

O que eu tenho é MBC. Podia ser CMM mas em Portugal não se distingue os metastizados dos outros, somos todos iguais na menoridade geral que nos caracteriza.
Cinco anos depois do diagnóstico inicial, encontrei mais um nicho onde me encostar: sou uma doente de cancro da mama metastizado. E é junto dos outros como eu que me devo colocar. É com eles que tenho de me entender.
Há algum tempo que comecei a perceber que eu não era como as outras amigas que fui fazendo ao longo desta jornada. Adoro-as, elas sabem, e respeito a sua dor, tão igual à minha até... à primeira metástase.
Em cinco anos de percurso, a maior parte delas já se reconstruiu, física e psicologicamente (pelo menos em parte porque nunca se volta ao que se era antes), mas eu não... e isso, sei-o bem, nunca acontecerá. A dor de se passar por um cancro é indescritível, só quem vive essa experiência pode entender. A dor de nunca ficarmos bem e termos a vida a prazo - e curto - é outra, diferente, que só nós é que sabemos... Nem vale a pena tentar imaginar.

Assim, hoje dou um passo em frente, que tem o seu quê de retrocesso: a solidão. Como quando tudo começou e eu era, sem sombra de dúvida, a única...

T.

MBC = Metastatic Breast Cancer