quarta-feira, 16 de outubro de 2013

E fechar isto?

Estou capaz de fechar mais este blogue. Ou então deixá-lo para os dias mais negros.

Aqui, quis dar voz aos "heróis silenciosos" que fingem que tiveram um cancro e já passou, que estão a fazer quimio e vão ficar bem, que desesperam com os "medos" dos que realmente já vivem a sua vida normal mas ainda acham que não; Quis falar por aqules que têm medo de faltar aos filhos e aos pais (e até aos avós), que pensam na morte quase todos os dias, única e exclusivamente porque ela é parte integrante da sua encurtada vida, aqueles que sabem que nunca mais nada poderá ser sequer remotamente como era antes; aqueles que trocariam uma semana de vida por um dia sem cancro.

Mas não sei se vou continuar... Encontrei novas "amigas", elas sim carunchosas como eu, com as minhas mazelas físicas e iguais dores de alma mas...

A minha avó não gostava de passar o dia com o meu avô no lar porque aquilo "era só velhos". Como ela...
Eu não quis ir para o IPO porque aquilo era só malta com cancro. Como eu...
Agora está-me a chatear aquela malta cheia de metástases, credo.

Quero tanto "encaixar" como cair fora.

Sou capaz de fechar isto, sou, por falta de coerência, boa?

T.



terça-feira, 8 de outubro de 2013

Raios partam o pensamento positivo

Vivo tempos difíceis e é grande a vontade de não partilhar notícias e detalhes. Mas nada em mim deixa esconder o que se passa. Face às evidências físicas, faço o que posso: esquivo-me às perguntas e falo o menos que puder sobre o assunto. Por minha iniciativa, nem um pio...

Mas que isso não seja interpretado como um estado de alma negativo. Não estou negativa, estou é cansada, preocupada, impotente dentro de um corpo que incha, dói, quebra e se apaga contra os meus esforços e a minha vontade; contra as minhas ordens, achando eu que ele me pertence... mas não...

De resto, estou bem, lidando ajuizadamente com a angústia e a incerteza, sem grandes sobressaltos. Que mais se me pode pedir? Ah, o pensamento positivo, é verdade.

Raios partam o pensamento positivo e essa mania que as pessoas têm de fazer dele o salvador da pátria. Volto a dizer: pensamento positivo é acordar às sete para levantar a Jo, fazer-lhe o pequeno almoço e preparar as merendas para a escola; é tomar banho, vestir-me e transformar-me na pessoa que aparece no trabalho; almoçar com os colegas, ir caminhar, falar, rir e brincar com amigos, fazer compras, estar com a família, ver filmes, ler livros, ir ao Facebook (ganhar no Bejeweled) e escrever no blogue; é guiar, é por gasolina, andar no trânsito, fazer análises e quimioterapia todas as semanas, marcar e fazer exames, ir a mil consultas. Isto, e mais outras mil coisas que faço, isso sim é PENSAMENTO POSITIVO.

Arre.

T.












domingo, 6 de outubro de 2013

Outubro rosa não é para mim!


Menos de cinco por cento dos fundos angariados para a pesquisa do cancro da mama são utilizados no estudo da metastização. Tudo o resto se centra na prevenção e no tratamento dos estadios iniciais da doença.

“Survival in advanced disease has improved from two to three years in a decade, and that is not acceptable”

Trabalhos de pesquisa na fase inicial do cancro da mama têm  tido resultados que se traduzem em anos ou mesmo décadas de sobrevivência. Mas nos cancros metastizados, esses ganhos não ultrapassam semanas ou, na melhor das hipóteses, meses.
"A sobrevivência média de um doente de cancro metastizado passou, numa década, de dois para três anos. E isso, na minha opinião, não é aceitável. Mas temos feito um progresso substancial nos cuidados de suporte e paliativos, que beneficiam a qualidade de vida dos doentes".

Dra. Fátima Cardoso, chefe da Unidade da Mama da Fundação Champalimaud

Querem ajudar-nos a viver melhor o tempo que nos resta, agradecemos. Mas queremos mais: queremos mais medicação, mais guidelines, mais tempo de vida...

Outubro rosa não é para mim!

T.

sábado, 5 de outubro de 2013

zzzzzzz

Dia sem ocorrências...
Bom... dois filmes e dois episódios de séries, nada mau.

Joana fora (em casa de amiga) dia sem almoço ou jantar. Yes!

T.

Momento feliz do dia:
O pequeno almoço com uma amiga grande e grande amiga

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Balões

Hoje os meus braços incharam tanto que mais parecem insufláveis. As articulações doem e, para completar um perfeito quadrinho deprimente, apareceram umas manchas vermelhas da parte de fora de cada pulso. De um lado e de outro, tirado a fotocópia. Adoro simetrias.

Não fui ao hospital nem telefonei a nenhum médico, apenas marquei uma consulta para uma fisiatra, na próxima quarta-feira.

Se alguém souber quantos dias é que isto aparece antes de se morrer, por favor, digam-me, que eu tenho coisas que quero mesmo deixar feitas.

T.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

enquanto há estrada

Uma das razões por que quero continuar a trabalhar, é para vencer este cansaço brutal que me atormenta.
Por paradoxal que possa parecer, na verdade não é.
O corpo (que continua a encher), fraqueja, e de que maneira. Não há quem aguente carregar tanto peso, tanto peso extra, com dores nas articulações, dores nos braços, dores nas pernas. Em casa, e eu adoro estar em casa, as dores aparecem, acumulam-se, agigantam-se e desgastam-me física e emocionalmente.
Mas no trabalho, as dores acalmam, a doença espanta-se e o tempo passa com maior vivacidade, energia que o corpo acompanha com modéstia mas já provada competência.

Depois, há o outro lado, como sempre; há sempre um outro lado, caramba: dois dias de valente brincadeira, um a trabalhar que nem uma louca, no outro a levar pancada que nem uma condenada, e estou de rastos. Hoje, não houve nada para ninguém: só sopas e descanso, literalmente.

Estou presa entre os meus melhores remédios: o trabalho e o necessário descanso. O meu coração manda abrandar mas o meu cérebro avisa: se parares, ficas pelo caminho.
"Enquanto houver estrada há que seguir viagem", diz o Abrunhosa, e eu escuto a música, ao mesmo tempo que, por cima, se sente um coração descompassado a pedir para também ser ouvido...

T.

P.S. - Tive um momento feliz hoje!





quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Bocadinhos felizes

Um momento feliz por dia. É o mínimo que se pode aceitar de 24 horas de existência. Hoje já tive dois... Este é, pois um dia bom.
Para além de que passei a tarde em casa, sozinha (siiiim), e foi maravilhoso. A chuva a cair lá fora, a máquina a lavar, o som das teclas no computador... adoro. Sou um "animal doméstico" (tem de ir entre aspas uma vez que o termo já foi abocanhado pela bicharada); por mim, ficaria em casa dias e dias sem me aborrecer... desde que não tivesse de fazer essas coisas que os verdadeiros "animais domésticos" fazem como limpar, passar a ferro ou cozinhar, entre outros milhares de tarefas enfadonhas.

Também tive um momento a tender para o mau. Fui à oftalmologista e fiquei a saber que a brutal perda de visão que tenho sofrido nas últimas semanas se fica a dever a uma de duas possibilidades. 1 - toxicidade provocada pela quimio; 2 - compressão, provocada por um tumor cerebral de origem óssea ou outra qualquer. Assim sendo, e porque não há correcção óptica possível - fico assim, a ver poucochinho - segue-se mais um batalhão de exames, para juntar aos outros que já tinha para este mês. Vai ser um belo outubro. Por mim, vamos a ele, desde que me dê, pelo menos, uma alegria por dia...

T.

P.S. Actualizado à 01h24 - Afinal, tive mais do que duas alegrias hoje! Um belo jantar de amigos encheu-me a alma. Obrigada!

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Estarei a sonhar?

Ontem
Um dia que começou de véspera... sem comentários. O início da Casa dos Segredos é um bruxedo na vida de uma pessoa que um dia adorou o seu trabalho mas que agora preferia ter ido para atriz porno (e poder perceber esta gente)

... chegada a casa: 2h00, a garagem não abriu... pois, não consigo subir a rampa (em curva!) de marcha atrás; deve ter sido um belo espectáculo: se foi tão bom visto de fora como foi de dentro, com os sensores a apitar sem parar e eu sem saber onde estava... posso ter acordado a vizinhança toda e se calhar já estou no youtube
......
Hoje

8:00 análises
9:00 consulta de ginecologia
12:00 dar de almoço à criança com laringite
14:00 quimioterapia

resto do dia: cansada, ko ko ko, a comer gelado...

Tenho uma vaga ideia de que ontem fiquei a saber histórias da vida de pessoas estranhas... e a compreender melhor o padrasto da concorrente ucraniana que matou um homem à paulada e à facada e, no fim, atirou com ele a um poço...

Fui. Sim, comer gelado.

sábado, 28 de setembro de 2013

Cenário real

Dizer a uma amiga que não quero ter velório ou funeral público não é mais do que uma agressão (que cometi recentemente). Se ela também tiver passado pelo cancro, soa-lhe a tema não desejado e a que devemos pôr fim rapidamente. Se é alguém que não tem ou teve cancro, e não gosta de pensar nisso e com razão, um "que horror" basta, seguido, ou não, de "não penses nessas coisas" ou "tens de te manter positiva".

Que fique claro: eu sou muito positiva! Posso não mostra-lo com grandes frases ou afirmações luminosas, nunca fui dada a aforismos mas não me restam dúvidas de que quem faz a sua vida como eu faço a minha, eliminando contingências quase diárias e ainda dormir um sono tranquilo (sem a ajuda de químicos, que o meu fígado não os grama), alguma força positiva deve ter dentro de si.

Agora, não me peçam para fingir que não se passa nada. Não me digam que não devo pensar na morte, naquilo que posso deixar a quem vai sentir a minha falta; que não me devo preocupar com o sofrimento que possa vir a sentir ou a causar a outros... Isso não é ser negativa, é, tão-só, ser realista. Tenho cancro metastizado há cinco anos, estou a fazer quimioterapia (pela terceira vez) há quase seis meses e sem prazo para terminar...

Não passo o dia a pensar no assunto, nem por sombras, que o trabalho, a família e os amigos não deixam espaço para isso mas que há pensamentos que devem ter lugar neste cenário, esse é certamente um deles... Gostava de ter autorização...

T.




MBC

O que eu tenho é MBC. Podia ser CMM mas em Portugal não se distingue os metastizados dos outros, somos todos iguais na menoridade geral que nos caracteriza.
Cinco anos depois do diagnóstico inicial, encontrei mais um nicho onde me encostar: sou uma doente de cancro da mama metastizado. E é junto dos outros como eu que me devo colocar. É com eles que tenho de me entender.
Há algum tempo que comecei a perceber que eu não era como as outras amigas que fui fazendo ao longo desta jornada. Adoro-as, elas sabem, e respeito a sua dor, tão igual à minha até... à primeira metástase.
Em cinco anos de percurso, a maior parte delas já se reconstruiu, física e psicologicamente (pelo menos em parte porque nunca se volta ao que se era antes), mas eu não... e isso, sei-o bem, nunca acontecerá. A dor de se passar por um cancro é indescritível, só quem vive essa experiência pode entender. A dor de nunca ficarmos bem e termos a vida a prazo - e curto - é outra, diferente, que só nós é que sabemos... Nem vale a pena tentar imaginar.

Assim, hoje dou um passo em frente, que tem o seu quê de retrocesso: a solidão. Como quando tudo começou e eu era, sem sombra de dúvida, a única...

T.

MBC = Metastatic Breast Cancer